Música, bebida e boêmia sempre foram ingredientes perfeitos para os inúmeros compositores e músicos de plantão.
Desde, digamos, a descoberta da música não há mistura alguma que supere esse cenário. As mulheres sempre estiveram presentes nas almas de nós, compositores, músicos e apaixonados pela vida repleta de paixão e emoção.
Paulo Mendes Campos e outros escritores, não fugiram desse introito, eram fieis apreciadores de uísque, sempre presente nos bares cariocas ou na casa de cada um deles, podemos mencionar Vinicius de Moraes, que tinha sempre um bom “scotch”.
Dentro desse contexto, não podemos deixar de mencionar “Carta de separação”, crônica inédita em livro, mas publicada na coluna “Primeiro Plano”, do Diário Carioca. Essa “carta” tem valor único e é precisa no que precisa ser.
Creio, meu bem, que chegou finalmente o momento de dizermos adeus. Tentei todas as acomodações possíveis. Não posso ser acusado de não ter tido para contigo boa vontade e carinho. Não posso admitir que se diga por aí, à boca pequena, que a culpa foi minha, que não tive compreensão da realidade. Os fatos são os fatos, e contra eles não podemos lutar. Não se pode dizer que não nos demos bem, é verdade. Não posso eu dizer que não devo a teu calor algumas das melhores horas de minha vida, de descanso, de alegria, até mesmo de poético enlevo, por que não. Naquele tempo em que ainda eras pura, e em que tuas exigências de dinheiro, sem nunca ser modestas, ainda não atribulavam meu orçamento, pude manter-te com decência, não faltando jamais a nossos encontros. (Lembro-me agora, confesso, com indisfarçável ternura, esses pontos amoráveis de nossos antigos encontros, na esquina de Nilo Peçanha com a rua do México, na rua Senador Dantas, em Copacabana etc. etc.).
Quando foi mesmo que te encontrei pela primeira vez? Não posso precisá-lo, tantos anos já passaram, mas sei que foi amor à primeira vista, um amor que infelizmente, por tua causa, agora se interrompe.
Há já uns dois que vinha desconfiando de ti. Fingia que não o notava apenas por covardia, receoso de causar escândalo. Já andavas falsa, dissimulada. Àquela noite, na boate, custou-me engolir-te. Só agora vejo que nada ganhei com essa complacência senão muita dor de cabeça. Só agora vejo que só tinha a ganhar se houvesse te deixado quando desconfiei que já estavas misturada a más companhias, e que já não te portavas bem com quem por ti muitas vezes perdeu a cabeça. Por ti, quase fui preso; por ti, cheguei a brigar; por ti, fiz os piores papéis; por ti, perdi noites de sono; por ti, pedi dinheiro emprestado; por ti, prejudiquei minha saúde. No entanto, de que valeram tantos sacrifícios? Terias a coragem de não reconhecer que és falsa? Poderias negar que me levarias a uma situação econômica insustentável? Hoje, só um insensato deixaria de ver que as nossas relações não podem continuar mais. Resta-me um pouco de equilíbrio e de amor próprio. Falta-me dinheiro para sustentar-te. Ah, se fosses pelo menos fiel, eu seria capaz de um esforço supremo. Mas como estás, não, meu bem. Assim não é possível. Não há outro jeito senão uma separação que, de minha parte, deixa muitas saudades.
P.M. C.
Assim Paulo Mendes Campos despediu-se do uísque, companheira de longa data.
Creio que, embora contenha muita sinceridade e verdade na carta, não há como se despedir de um bom uísque 12 anos. Nós que sempre buscamos conciliar música, poemas, bebidas e mulheres, não aprendemos nada com essas últimas. A verdadeira lição, aquele que mostra realmente “quem manda em uma relação”. O que se quer dizer é, não nos deixemos que o uísque, ou qualquer outra bebida, nos domine. Mas, também nem sempre é sensato abandoná-lo.
Sem ele, não haveriam tantos poemas e músicas de bom gosto no mundo. O planeta seria insonso.
É o risco que, com a dose certa, vale muito a pena.