A Lei seca na terra do Tio Sam
No fim do Século XVIII e início do Século XIX, os EUA viviam um processo de “libertação do álcool” por prevalecer o entendimento de que alguns dos problemas sociais decorriam da ingestão de bebidas alcoólicas.
Um dos fatos de repressão ao álcool residia em um grupo de mulheres denominado União Feminina de Temperança Cristã que, ainda em 1874, invadiam bares e restaurantes do país como guerrilheiras, carregando a bandeira da proibição do álcool, quebrando todas as garrafas com machados e porretes em punho.
Em um pequeno lapso de tempo, essas mulheres encontrariam apoio na ala masculina, através da Liga Antibares, formada por produtores rurais e conservadores, liderados pelas Igrejas puritanas.
Assim, a Câmara dos Representantes daquele país lançaram em 08 de setembro de 1.917 um projeto de Emenda à Constituição que entraria em vigor dois anos depois, denominada a 8ª Emenda.
Desse modo, havia sido plantada o que seria a semente da proibição das bebidas alcoólicas, gerando uma nova história para os Estados Unidos.
O projeto previa uma espécie de tipo penal, classificado, por nós penalistas, de plurisubsistentes ou plurinuclear. Ou seja, proibia várias condutas como proibidas, sendo que não seria necessária a prática de todas delas para que o ato praticado fosse ilícito. O projeto previa as condutas de fabricar, vender, transportar, importar e exportar bebidas alcoólicas em todo o território dos EUA, incluindo os territórios submetidos à eles.
Billy Sunday, ex-jogador de beisebol e um dos religiosos mais populares da Terra do Tio Sam em decorrência de seus discursos eloquentes, adotou um tom épico em meados de janeiro de 1.920, fazendo com que seus 10 mil fiéis ficassem radiantes. O referendo afirmou, no mesmo dia que a Cosntituição Americana, então, fora alterada com a adição da 18ª Emenda:
“O reino das lágrimas acabou. As favelas logo serão memória. Vamos fazer de nossas prisões fábricas e das cadeias armazéns. Homens caminharão eretos, mulheres vão sorrir e as crianças darão risadas.”
Em pouco mais de 1 ano, a 18ª Emenda havia sido ratificada pela maioria dos estados, garantindo sua vigência naquele ano. O texto instituía o Ato de Proibição Nacional, também chamado de Ato de Volstead (homenagem a Andrew Volstead, deputado que liderou a iniciativa). Era considerada “intoxicante” qualquer bebida que tivesse mais de 0,5% de álcool (as cervejas mais fracas têm cerca de 2%).
A intenção primeva da proibição era de proteger os cidadãos dos perigos gerados pelo consumo do álcool, porém, por ter sido elaborada com pálio em uma interpretação simplista, a Lei Seca acabou por disseminar um mal ainda mais letal para a sociedade: o crime organizado. Eis que, as bebidas alcoólicas passaram a ser traficadas em grande escala. Bandos criminosos, tais como de Nova York e Chicago, passaram a controlar cadeias de destilarias e bares no país. A prostituição acompanhava o consumo ilegal do álcool.
Todavia, apesar das proibições, a vontade e necessidade de consumir bebidas alcoólicas não foram controladas, apenas colocando os consumidores à margem social, na ilegalidade.
O fato importante é que, com a entrada em vigor da Lei Seca, uma pessoa morria por dia na guerra do tráfico.
A indústria clandestina proliferou por todo o país.
Porém, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, um novo argumento a favor da proibição passou a ser utilizado: Cereais, levedo, malte e açúcar não poderiam ser desperdiçados na fabricação de bebidas, eis que poderiam ser utilizados para a alimentação. Além, disso, a cerveja e o vinho deveriam ser boicotados, pois eram produtos da Alemanha inimiga.
Todavia, a população daquele país começou a adotar uma série de medidas para burlar a proibição ao consumo do álcool, entre elas, os estudantes da Universidade de Yale, começaram a compactuar com os gangsters para que esses importassem uísque escocês.
Com o tempo, os traficantes passaram a ficar cada vez mais fortalecidos. Os contrabandistas passaram a ser conhecidos como “bootlegger” (cano de bota, em patente referência ao modo pelo qual traficava-se álcool para os índios).
Entre os traficantes, surgiu uma lenda, denominado Alfonso “Al Capone”, que era o chefão do tráfico, se tornando um dos maiores criminosos de todos os tempos, ainda que a Justiça norte-americana não tenha conseguido comprovar algum de seus atos.
Nesse cenário surgiram os denominados “speakeasies” (falem baixo), consistentes em bares clandestinos, por vezes subterrâneos, nos quais era preciso “falar baixo” para não chamar a atenção. Nisso, o tráfico de bebidas e a prostituição tomaram contornos inimagináveis com a edição e votação da Emenda nº 8.
Esse cenário pode ser conferido em livros e filmes, entre eles mencionamos “O Grande Gatsby”, de 1.925, obra-prima de F. Scott Fitzgerald, no qual o personagem principal é um contrabandista de bebidas que promove grandes festas, nos quais eram servidos belos e gostosos coquetéis. Bebidas que foram “reinventadas” nesse período, com o intuito de mascarar o gosto ruim dos destilados clandestinos, a exemplo do “Bloody Mary”, a base de suco de tomate.
Não só os drinks eram ruins, mas os uísques, runs e gins também eram fabricados com produtos tóxicos, como alvejante, solvente de tinta, formol, etc. Essas bebidas clandestinas ajudaram o aumento de doenças nos consumidores, a exemplo podemos mencionar a cirrose.
Embora as consequências drásticas, os EUA continuavam mantendo a proibição, até que ocorreu a Grande Crise de 1.929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Crise financeira e econômica que deixara um em cada quatro americanos desempregados.
Assim, a crise foi decisiva para que a Lei Seca chegasse ao fim. Parte do povo começou a afirmar que as bebidas, se legalizadas, criaria empregos, estimularia a economia e aumentaria a arrecadação de impostos.
Passados 13 anos de sua vigência, a 8ª Emenda à Constituição mostrou-se ser um dos maiores fracassos legislativos daquele país, pois, ao invés de levar a cabo os problemas sociais decorrentes da bebida, atuou ao contrário, fortalecendo a criminalidade organizada, desmoralizando as autoridades, tornando os quartéis em verdadeiros centros de riquezas e poder. O crime organizado começou a corromper o Estado, através dos seus representantes, eis que alguns policiais e políticos se rendiam ao dinheiro ofertado pela máfia.
Os danos ao Estado Americano foi de tal monta que, em dezembro de 1.933, o então presidente Franklin Roosevelt reconheceu a insensatez da proibição às biritas, realizando a única alteração da Carta Magna Americana, revogando a Emenda nº 8.
Tal ato, cooperou para a falência do crime organizado naquele país, claro sendo apenas o início do combate ao crime, pois, podemos mencionar que políticos como Rudolf Giuliani atuaram eficazmente contra o crime organizado, com a política das Janelas Quebradas ou Vidraças Espedaçadas.
Ainda hoje, há quem entenda que a Lei Seca gerou benefícios para aquele país, eis que o volume de bebidas ingeridas diminui.