Frequento o mesmo bar desde os dezoito anos. Já na época eu me sentava na mesma mesa sempre e pedia a mesma coisa.

“Gil, um cowboy, por favor”

Hoje tenho vinte e cinco, me sento na mesma mesa e já não peço nada, o garçom mais gentil da cidade me lança o mesmo sorriso cúmplice de sete anos atrás enquanto carrega a bandeja com uma garrafa de Jack e um copo.

Sete anos que ouço a mesma coisa, vinda de bocas diferentes e homens de diversas idades, etnias e nacionalidades: não é uma bebida forte demais para uma garota?

Eu deixei de ser uma menina a tanto tempo que já não me lembro mais, mas os homens conseguem se manter sempre na mesma idade, por mais que o tempo passe. Sete anos, século XXI, mulheres ocupando posições de destaque, ainda é algo surpreendentemente fantástico uma mulher sentar-se em uma mesa de bar e pedir uma bebida tão forte e – uau! – sem gelo.

Eu gosto de beber, gosto de estar em bares baratos, gosto de pedir minha cerveja e jogar sinuca até sentir que devo voltar pra casa, quando sinto que devo. Eram coisas que meu avô fazia, mas desprezava quando uma mulher tinha a audácia de fazer. Isso e as rodas de samba, como as que frequentei tantas e tantas vezes pelos barracões da cidade, sempre bem servida de uma cachaça e vários olhares. Minha família inteira despreza esse tipo de comportamento, inadmissível, sempre, basta que seja uma mulher a faze-lo. Se for homem não tem problema. Lembro das reações, como se tivessem ocorrido a dez minutos atrás, minha mãe horrorizada com a foto da filha dela “bebendo como uma vadia” por aí, meu avô me perguntando o que vovó pensaria se estivesse viva. Minha avó, que só podia beber livremente em datas como ano novo e natal, que pedia vez ou outra uma latinha de cerveja para o marido, que concedia, “mas só essa”, enquanto ela pedia pra gente ir escondida pegar garrafas e garrafas de cerveja que ela escondia sob a pia e ia enchendo a lata conforme o trabalho no fogão ficava mais exaustivo. O que diria vovó?

Quando me sento à mesa, peço qualquer que seja a bebida e me desligo pros diversos comentários que qualquer mulher sozinha num buteco tem de ouvir (porque certamente, ter essa audácia toda é um convite a ouvir graça de homens como meu avô), são nesses momentos que mentalmente eu brindo a mulheres como minha avó e como todas as outras audaciosas que conheço, porque cada copo de cerveja é uma vitória.

Cheers.

Ana Lima – @ana_em_fases